domingo, 8 de agosto de 2010

Crônica de Luciano Camargo sobre seu pai

São tantas as lições que meu pai me ensinou. Mas, de todas elas, duas marcaram minha infância e as sigo como exemplo até hoje.

Nossa família é grande, mas, quando éramos pequenos, morávamos numa casa bem pequena. O dinheiro era pouco, a luta grande e a sabedoria do velho Chico mais ainda. Meu pai, na sua brilhante maneira de nos educar, usava o verbo dividir para tudo. “Quem sabe dividir, sabe multiplicar”, dizia ele. “Jesus multiplicou os pães para dividir entre os irmãos”, completava.

Em dias difíceis, com pouca comida, ao invés da minha mãe colocar um pouco em cada prato, ele pedia para que comêssemos todos no mesmo prato. Chamava cada um pelo seu próprio nome, juntava os oito filhos na mesa e falava: “Vocês vão comer todos juntos no mesmo prato para entender a maior de todas as lições entre os irmãos: a união. Faço isso para que vocês sejam unidos por toda vida”. E detalhe: a garfada era por ordem de nascimento. Assim, a gente aprendia também a conviver com a hierarquia familiar. Assim, compartilhamos até hoje. O que o mais velho diz, o outro respeita.

Talvez na época eu acreditasse que a comida estava na quantidade certa. O que é isso diante do mais nobre alimento? Daquele que não pode faltar em todas as mesas: o amor.

A segunda lição serviu como meu primeiro ofício. Eu deveria ter uns oito anos quando decidi que precisava ajudar em casa de alguma forma. Meu pai estava na construção (ele era mestre de obras) e eu fui levar a sua marmita, preparada sempre com muito carinho pela minha mãe Helena.

Comecei a falar com ele que eu precisava trabalhar, mas não sabia o que fazer. Meu irmão Zezé Di Camargo já cantava. Era o começo dele nesta difícil arte do mercado fonográfico. E eu era (e continuo sendo) seu fã número 1. “Pai, quero brilhar como meu irmão”.

Foi quando ele soltou uma frase marcante: “Já sei Welsinho o que você pode fazer. Quando retornar, vou te ensinar uma coisa”.

À noite, meu pai chegou com um caixote de madeira, me chamou no quintal e, sem falar o que iríamos produzir, juntos, começamos a fazer uma caixa de... engraxate!

Foi uma grande surpresa. A cada peça serrada, a cada prego batido pelo velho martelo, ele me contava seus “causos”. Depois, tirando de um saquinho pastas, escovas, flanelas e graxa, anunciou: “Welsinho, aqui está seu material de trabalho. Seu primeiro ofício será o mais nobre de todos: dar brilho aos passos dos outros. Sabe por quê? A gente só aprende a brilhar, quando dá luz aos caminhos do próximo”.

São essas as brilhantes lições que sigo no meu caminho, embora o destino me permitiu dividir cena com meu irmão neste palco iluminado que é a vida.

Rosely Rodrigues
Informações: www.zezedicamargoeluciano.uol.com.br
Foto: Rosa Marcondes